A neuralgia do trigêmeo é uma das dores mais intensas conhecidas na medicina. Muitas pessoas descrevem as crises como “choques elétricos” ou “facadas” no rosto, que surgem de forma súbita e podem durar segundos ou minutos. Essa dor pode se repetir dezenas de vezes ao dia, dificultando atividades simples como falar, mastigar, escovar os dentes ou lavar o rosto.
O que é o nervo trigêmeo
O nervo trigêmeo é o principal nervo responsável pela sensibilidade da face. Ele se divide em três ramos:
- Oftálmico – região dos olhos e testa
- Maxilar – bochecha e parte superior da boca
- Mandibular – queixo e mandíbula
Quando há compressão ou irritação desse nervo, ele pode transmitir impulsos de dor anormais, originando a neuralgia.
Causas mais comuns
Na maioria dos casos, a neuralgia é causada por uma compressão do nervo trigêmeo por um vaso sanguíneo (geralmente uma artéria) próximo ao tronco cerebral. Outras causas possíveis incluem esclerose múltipla, pequenos tumores, ou lesões após cirurgias, ou traumas.
Sintomas típicos
- Dor em choque, pontada ou facada, geralmente de um lado do rosto
- Episódios curtos (segundos ou minutos), com períodos de alívio entre as crises
- Sensibilidade extrema a estímulos simples (vento, escovação, barbear)
- Em alguns casos, dor contínua e ardente entre as crises
Figura ilustrando o tipo de dor em choque que os pacientes com neuralgia trigeminal referem
Tratamento medicamentoso
A primeira linha de tratamento costuma ser medicamentosa, com remédios que estabilizam a atividade elétrica do nervo. No Brasil, os principais medicamentos usados são:
- Carbamazepina (Tegretol®, Carbatrol®): é o mais utilizado e eficaz em muitos casos; requer acompanhamento médico e exames de sangue periódicos.
- Oxcarbazepina (Trileptal®): semelhante à carbamazepina, com menos efeitos colaterais em alguns pacientes.
- Gabapentina (Neurontin®) e Pregabalina (Lyrica®): usadas quando há dor contínua ou quando os outros medicamentos não são tolerados.
- Em alguns casos, podem ser associados baclofeno (Baclofen®) ou lamotrigina (Lamictal®).
Quando a resposta aos medicamentos é insuficiente, ou os efeitos colaterais são muito intensos, considera-se o tratamento cirúrgico.
Tratamentos cirúrgicos
O objetivo das cirurgias é interromper o impulso de dor ou eliminar a compressão que irrita o nervo. Existem diferentes técnicas, escolhidas conforme a idade, o estado geral do paciente e a causa da neuralgia.
1. Descompressão Microvascular
É o tratamento cirúrgico curativo mais eficaz quando a dor é causada por compressão vascular.
Durante a cirurgia, feita sob anestesia geral e com auxílio de microscópio, o neurocirurgião faz uma pequena abertura atrás da orelha, localiza o vaso sanguíneo que toca o nervo trigêmeo e coloca uma pequena almofada (geralmente de teflon) entre eles, separando o nervo da artéria.
- Vantagem: pode eliminar completamente a dor sem causar dormência.
- Desvantagem: requer cirurgia intracraniana; indicada para pacientes com bom estado geral.
Tipo de incisão de pele, acesso ao nervo trigêmeo (no meio) e visão do nervo trigêmeo circundado por diversas artérias (em vermelho) e veias (em azul) que precisam ser separadas do nervo durante a cirurgia.
Os tratamentos percutâneos (rizotomias) são feitos por punção por agulha através da pele, lateralmente à rima labial. Lepski e cols, 2015
2. Rizotomia por Radiofrequência
Nesta técnica, o cirurgião introduz uma agulha guiada por imagem (raios X) até a base do crânio, onde o nervo trigêmeo se divide. O paciente fica sedado, mas acordado para identificar o ponto exato da dor.
Em seguida, aplica-se calor controlado (radiofrequência) que lesiona seletivamente as fibras de dor.
- Vantagem: efeito rápido e eficaz, alívio em mais de 90% dos casos.
- Desvantagem: pode causar dormência parcial na face, que em alguns casos é desconfortável.
Na rizotomia por radiofrequência, um fino eletrodo é introduzido pela pele do lado do lábio, e progredido pela base do crânio até o gânglio do nervo, onde é aplicada corrente elétrica controlada por temperatura, lesando parcialmente o nervo e impedindo que ele dispare espontaneamente em choques.
3. Rizotomia por Balão
Semelhante ao procedimento anterior, mas em vez de calor, é introduzido um pequeno balão que é inflado por alguns segundos junto ao nervo, comprimindo suas fibras dolorosas.
- Vantagem: eficaz para pacientes idosos ou com limitações clínicas.
- Desvantagem: alívio pode ser temporário; dormência facial também pode ocorrer.
4. Radiocirurgia (Gamma Knife ou CyberKnife)
É um tratamento não invasivo, sem cortes. Uma alta dose de radiação concentrada é dirigida ao ponto onde o nervo trigêmeo sai do tronco cerebral, danificando seletivamente as fibras que transmitem a dor.
- Vantagem: não requer internação nem anestesia geral.
- Desvantagem: o alívio pode demorar semanas há meses; em alguns casos, a dor retorna após alguns anos.
Prognóstico e qualidade de vida
A neuralgia trigeminal tem tratamento eficaz, e muitos pacientes recuperam uma vida praticamente normal após a intervenção adequada. A escolha do melhor tratamento deve ser feita em conjunto com um neurocirurgião especializado, considerando idade, condições de saúde e expectativa de durabilidade do alívio.
Resumo:
A neuralgia trigeminal não é “imaginação” nem uma dor comum. É uma condição neurológica real, tratável, e que pode ter cura cirúrgica em muitos casos. O avanço das técnicas modernas — principalmente a descompressão microvascular e a radiocirurgia — oferece hoje alta taxa de sucesso e baixo risco, devolvendo conforto e qualidade de vida a quem sofre com essa doença.
Referências de publicações próprias a respeito de neuralgia trigeminal:
1: Lepski G, Mesquita Filho PM, Ramina K, Bisdas S, Ernemann U, Tatagiba M, Morgalla M, Feigl G. MRI-based radiation-free method for navigated percutaneous radiofrequency trigeminal rhizotomy. J Neurol Surg A Cent Eur Neurosurg. 2015 Mar;76(2):160-7. doi: 10.1055/s-0034-1394190.
2: Teixeira MJ, Lepski G, Aguiar PH, Cescato VA, Rogano L, Alaminos AB. Bulbar trigeminal stereotactic nucleotractotomy for treatment of facial pain. Stereotact Funct Neurosurg. 2003;81(1-4):37-42. doi: 10.1159/000075102.